Sempre em movimento? Paradoxos, interligações e a indispensável necessidade de mobilidade cultural.
Herman Bashiron Mendolicchio
Palavras-chave: mobilidade cultural, viajar, sustentabilidade
O reconhecimento da mobilidade cultural
No final do milénio, o discurso e a promoção da mobilidade cultural ainda eram periféricos e estavam maioritariamente ausentes das agendas dos principais atores e instituições culturais europeias e internacionais.
Naquela altura, desde os anos 1990 e a um ritmo muito acelerado com o início do milénio, a atenção, o interesse e o apoio à mobilidade cultural mudaram rapidamente. A tenacidade de um punhado de profissionais culturais, o crescimento e o desenvolvimento de redes culturais, entre outras transformações sociais, proporcionaram então um terreno fértil para estimular a cooperação internacional, onde a mobilidade cultural era vista como um método e processo essencial.
A prática da mobilidade - nas artes, cultura e educação - está diretamente ligada a um modelo de desenvolvimento baseado na internacionalização, intercâmbio e diálogo intercultural. A mobilidade implica gerar outro tipo de formação, de conhecimento, de competências e perfis profissionais com um claro foco internacional.
Este fenómeno de mobilidade cultural - para além do seu contexto histórico e referências - baseia-se numa série de aspectos contemporâneos, entre outros:
• Os modelos de política europeia, baseados no estímulo à cooperação na UE [1];
• O aumento da cooperação cultural internacional, a nível europeu e global [2];
• O crescimento do fenómeno das residências artísticas (Comissão Europeia, 2016) [3];
• O funcionamento geral do mercado de trabalho, que é cada vez mais internacional.
Dentro deste contexto de diferentes acções e dinâmicas, podemos afirmar que a mobilidade cultural gera uma ampla gama de efeitos, consequências e resultados que podem ter impacto a nível pessoal e profissional a curto, médio e longo prazo.
As práticas relacionadas com a mobilidade cultural permitem:
• Estabelecer um diálogo intercultural frutífero, entrando em contacto com outras práticas, culturas, crenças e visões do mundo.
• Trabalhar, investigar e desenvolver projetos de forma trans-territorial, operando em múltiplos locais ao mesmo tempo, em diferentes áreas e contextos.
• Provocar inspiração.
• Ativar processos exploratórios e experimentais.
• Através da mobilidade, gera-se conhecimento interdisciplinar, uma vez que permite sair da própria esfera de conhecimento. Permite também abandonar a própria zona de conforto intelectual e física.
• Gerar troca e novas redes de contacto.
• Ampliar a visão e a consciencialização sobre os desafios globais e locais.
• Desenvolver novas competências e capacidades.
A mobilidade tornou-se então o caminho reconhecido e essencial para melhorar o conhecimento e a prática artística, alargar redes e expandir oportunidades. Os fundos tendem a aumentar [4], mas novos desafios tendem a emergir.
Mobilidade, sim, mas sustentável?
A mobilidade cultural e artística - para além dos múltiplos efeitos positivos mencionados acima - tem sido um espelho para reconhecer e discutir paradoxos, assimetrias e contradições do nosso mundo global. Questões de visto, os obstáculos à passagem de fronteiras dependendo da origem do passaporte, a necessidade de promover uma mobilidade sul-sul (ultrapassando as ligações usuais e fáceis) têm sido, durante muito tempo, temas chave para discussão.
Além deste argumento fundamental, atualmente temos uma discussão urgente sobre as dimensões sustentáveis da mobilidade cultural. Até que ponto podemos viajar? Que meios de transporte podemos utilizar? Faz sentido viajar distâncias tão longas para apresentar o meu trabalho/performance? O setor cultural e artístico tem sido rapidamente envolvido por uma forte consciência ecológica que questiona o valor e a necessidade da mobilidade.
A complexidade destas reflexões não permite respostas simples e definitivas, mas é claro que a legítima luta por melhores condições ambientais e os esforços para o desenvolvimento sustentável não podem impedir a troca humana e a busca pelos efeitos e resultados que a mobilidade cultural proporciona.
Especialmente no setor cultural e artístico - e aqui com um foco particular no desenvolvimento natural das artes performativas e das artes de rua - a mobilidade é fundamental nas diferentes fases do processo artístico (investigação/inspiração, produção, apresentação/exposição).
Quando a mobilidade cultural é chamada a enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável, é importante alargar a perspetiva e adotar uma abordagem flexível e adaptativa. Algumas reflexões para discussão:
• Não se trata de reduzir a nossa mobilidade e troca humana, mas sim a mobilidade dos produtos que consumimos. A humanidade polui muito mais ao transportar coisas desnecessárias do que ao mover pessoas e pensamentos. (ODS 12)
• Focar em novas parcerias e fortalecer as antigas. Aumentar e consolidar a ligação e a cooperação com outros parceiros, aliados e colaboradores é um aspeto crucial da mobilidade. (ODS 17)
• Traçar itinerários locais. Eles podem revelar muito mais do que se espera. A mobilidade não é apenas uma questão de lugares distantes. (ODS 11)
• Incluir práticas de caminhada no seu processo artístico. Elas conectam pessoas e lugares, comunidades e espaços, de forma mais sustentável. (ODS 3)
• Assimetrias. Focar no seu próprio equilíbrio. O que é certo aqui pode ser errado noutro lugar. (ODS 16)
• A mobilidade cultural está, antes de mais, ligada ao conhecimento. Aprendemos ao mover-nos e ao entrar em contacto com novos contextos e realidades. Aprendemos novas palavras, conceitos, competências, capacidades, ideias, formas de fazer, etc. A mobilidade está, então, diretamente conectada à formação, educação e desenvolvimento profissional. (ODS 4, 8)
A reflexão sobre a mobilidade cultural e artística continua e é, sem dúvida, uma jornada muito estimulante.
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[1] Um exemplo significativo pode ser encontrado nos fundos de cooperação de programas como Europa Criativa, Horizonte Europa ou Erasmus+, entre outros.
[2] Mais informações podem ser encontradas na secção Relações Culturais Internacionais do site da Comissão Europeia: https://culture.ec.europa.eu/policies/international-cultural-relations.
[3] European Commission, Directorate-General for Education, Youth, Sport and Culture (2016). Policy handbook on artists' residencies: European agenda for culture: work plan for culture 2011-2014. Publications Office of the European Union. https://data.europa.eu/doi/10.2766/199924.
[4] Um exemplo fundamental é a criação do programa Culture Moves Europe, financiado pelo programa Europa Criativa da UE. Com um orçamento de 21 milhões de euros de 2022 a 2025, o CME é o maior fundo europeu de mobilidade para o setor cultural até à data.
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Herman Bashiron Mendolicchio é doutorado em "História, Teoria e Crítica da Arte" pela Universidade de Barcelona. É docente no Programa de Gestão Cultural da Universidade de Barcelona e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Cooperação Cultural Internacional. Atualmente, leciona em várias universidades e programas académicos a nível internacional. Herman combina investigação académica, gestão cultural, práticas curatoriais e metodologias artísticas, colaborando com uma vasta gama de redes, projetos e organizações a nível internacional.