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A criação artística em espaço público tem vindo a afirmar-se como uma ferramenta indispensável para abordar os desafios sociais, urbanos e ambientais do presente (e futuro). Este texto reflete sobre estas práticas a partir de diferentes perspetivas, incluindo as conclusões das Outdoor Arts Talks realizadas em Ílhavo, em dezembro de 2024, e outros contributos relevantes do setor.
Os debates e análises mais atuais sublinham a importância de consolidar a arte em espaço público como uma prática transformadora, capaz de redefinir a relação entre pessoas e territórios. Um dos temas centrais destas discussões tem sido a capacidade da arte em espaço público criar memórias duradouras através da participação direta das comunidades: podemos observar que a inclusão do público no processo artístico pode fortalecer o sentimento de pertença e contribuir para a revitalização de lugares negligenciados. A criação artística contemporânea em espaço público vai muito além de mera intervenções decorativas; visa transformar territórios em cenários de interação social e cultural, onde as comunidades podem encontrar um reflexo das suas identidades e aspirações. A valorização da memória coletiva, através de intervenções artísticas que evoquem histórias locais e tradições culturais que resgatam o passado, pode ser uma forma poderosa de promover o diálogo entre gerações, revitalizando o interesse por narrativas que, de outro modo, poderiam cair no esquecimento. Ao mesmo tempo, estas práticas devem equilibrar a contemporaneidade com a autenticidade, evitando uma abordagem excessivamente modernista que desconecte a arte das comunidades a que se destina.
No entanto, os desafios são bem mais diversos. A tensão entre interesses públicos e privados, a falta de espaços disponíveis e as limitações de financiamento têm sido amplamente debatidas à escala europeia. Nas Outdoor Arts Talks sublinhou-se a importância de resistir à mercantilização destas práticas, mantendo o seu caráter experimental e de laboratório cultural. Assim, a criação artística em espaço público deve continuar a ser um espaço de pesquisa e inovação, livre das pressões comerciais e capaz de abordar questões sociais e ambientais de forma criativa e disruptiva. Outro ponto relevante na dimensão europeia tem sido a necessidade de maior integração tecnológica. Ferramentas digitais e experiências interativas oferecem possibilidades únicas para ampliar o impacto das obras e atrair novos públicos. No entanto, deve atender-se aos riscos de uma dependência excessiva da tecnologia, que pode desumanizar a experiência artística e ter efeitos antagónicos. O equilíbrio entre inovação tecnológica e a essência do encontro presencial é fundamental para preservar a autenticidade das práticas em espaço público.
A sustentabilidade emerge como uma prioridade incontornável. As intervenções artísticas devem alinhar-se com práticas ecológicas, utilizando materiais sustentáveis e reduzindo o impacto ambiental. A própria narrativa das obras pode ser um veículo poderoso para sensibilizar o público para questões como as alterações climáticas e a necessidade de resiliência ambiental. Neste sentido, a arte em espaço público não é apenas um reflexo das preocupações contemporâneas; é também um agente ativo de mudança. Podem destacar-se projetos que reutilizam materiais descartados ou que utilizam energia renovável para a sua implementação, criando simultaneamente um impacto visual e uma mensagem ecológica poderosa.
A inclusão revela-se outro pilar essencial. As intervenções artísticas devem amplificar vozes sub-representadas e garantir acessibilidade a todos os segmentos da sociedade. Este compromisso ético e estético é crucial para que a arte em espaço público seja verdadeiramente transformadora. Espaços públicos não podem ser monopolizados por uma visão homogénea; devem refletir a diversidade das comunidades que os habitam e servir como palco para uma multiplicidade de narrativas. Além disso, iniciativas que envolvem diretamente grupos sociais marginalizados, como idosos, migrantes e jovens em risco, vão muito além da criação de obras de arte, desenvolvendo comunidades mais coesas e empoderadas.
Por fim, a necessidade de modelos de financiamento sustentáveis tem sido amplamente debatida, sendo transversal à escala europeia. Garantir recursos financeiros adequados sem comprometer a independência artística é um desafio constante. Políticas culturais que reconheçam o valor da arte em espaço público e incentivem colaborações entre artistas, municípios e comunidades são extraordinariamente relevantes para o desenvolvimento artístico com impacto social. Estas parcerias podem criar um ecossistema cultural mais resiliente e dinâmico, onde a criatividade e a experimentação sejam valorizadas. O exemplo de fundos europeus dedicados a projetos culturais e de programas de cooperação transnacional tem sido amplamente debatido como uma solução para ultrapassar barreiras locais e alcançar impacto global.
Olhando para o futuro, torna-se claro que a criação artística em espaço público poderá desempenhar um papel central na construção de sociedades mais conectadas, inclusivas e sustentáveis. Cabe aos agentes culturais, aos decisores políticos e às próprias comunidades garantir que este potencial seja plenamente explorado. Este setor, ao abraçar a diversidade, a sustentabilidade e a inovação, pode reconfigurar profundamente a relação entre as pessoas e os lugares que habitam. Com coragem para enfrentar os desafios e visão para abraçar as oportunidades, a arte em espaço público pode continuar a ser uma força transformadora, redefinindo territórios, estimulando conexões humanas e inspirando uma cidadania ativa. Que este compromisso coletivo inspire não apenas mudanças estéticas, mas também transformações sociais duradouras, onde criatividade e resiliência caminhem lado a lado rumo a um futuro mais justo e vibrante.
Fotografia: João Roldão
Bruno Costa é doutorado em Estudos Culturais, pela Universidade de Aveiro, e mestre em Gestão de Indústrias Criativas, pela Universidade Católica Portuguesa (UCP), tendo especializado a sua investigação nos processos de construção da identidade europeia, com especial foco nos mecanismos de internacionalização de projetos artísticos e na cooperação cultural europeia. Leciona a unidade curricular “Parcerias, Redes e Internacionalização nas Indústrias Criativas” na UCP. É membro eleito do steering committee da Circostrada Network. Enquanto codiretor da Bússola, o seu percurso profissional tem focado as áreas da estratégia, planeamento, financiamento e gestão aplicada ao setor cultural e criativo.
Daniel Vilar é gestor cultural e de marketing nos contextos cultural, turístico e territorial. É mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto e licenciado em Gestão de Marketing pelo IPAM. Enquanto codiretor da Bússola e da Outdoor Arts Portugal, o seu percurso profissional tem focado temas como o planeamento e desenvolvimento de projetos culturais estratégicos e no domínio das cidades criativas, no contexto nacional e internacional, contribuindo para o desenho de estratégias políticas, de comunicação cultural e de desenvolvimento territorial. Participa regularmente em conferências nas áreas de estratégia, comunicação, marketing e territórios.
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